Jogo-performance: “The Artist Is Present”

O Design Crítico (DUNNE, 2005; DUNNE e RABY, 2001) aborda artefatos de Design como comentários sobre a sociedade, explorando espaços como os da arte e do futuro. No campo da discussão sobre jogos, temos propostas como as do Critical Play (FLANAGAN, 2009), na qual games podem ser considerados como comentários provocativos sobre a sociedade. Flanagan (2010) indica que games permitem explorar ideias complexas, oferecendo um framework único para outros modos de pensar e imaginar.

Neste sentido, analisamos os trabalhos de game-arte de Pippin Barr. Dentre seus games, temos o “The Artist Is Present“, no qual Pippin recria um obra de arte, a performance de Marina Abramović realizada no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, na qual os visitantes podem, um a um, sentar frente-a-frente com Abramović e silenciosamente olhar em seus olhos por quanto tempo quiserem.

Foto da performance de Marina Abramovic', "The Artist is Present".

O game de Barr busca reproduzir esta experiência: no jogo, o museu só abre quando o museu de Nova Iorque realmente está aberto (das 10h30 às 17h30), fechando nas terças, no dia de ação de graças e no natal. Para encontrar com Marina no jogo, é preciso esperar horas em uma fila. Quando Pippin Barr participou da performance (no Museu), demorou 5 horas para conseguir chegar em frente à Abramović, e é este tipo de experiência que seu jogo busca oferecer. (BARR, 2012)

Entretanto, a experiência que Barr propõe a ser reproduzida revela outros aspectos da ideia de ‘obra de arte’: qual a trajetória até se ter ‘contato com a obra’? Por exemplo, um jogador ou jogadora que trabalha durante o horário comercial e só tem acesso à um computador, fora desse horário nunca poderá avançar no jogo. Assim como este mesmo jogador ou jogadora, se morasse em Nova Iorque, também não teria acesso à performance. Onde começa uma obra? O jogo de Barr oferece uma visão expandida da experiência de apreciação artística. No caso, para as pessoas que só conheceram a performance da Marina por registros, especialmente aquele vídeo amplamente difundido e comentado, em que a artista reencontra um antigo companheiro, este game expõe que experimentar essa performance constitui participar de mais momentos. Além do momento de encarar a Marina, existe o momento de entrar no museu, pagar a entrada, atravessar o museu, esperar longamente em uma filha e, claro, chegar na hora certa. Assim, enquanto jogo cuja jogabilidade entendemos como um tipo de critical play, além deste indicar uma experiência de afastamento da obra de Marina e que permite analizá-la com outro olhar, a ideia de performance se constitui pelo próprio jogo. Para quem não pode estar presente no museu com a artista, e experimenta a obra somente por videos, este jogo pode ser considerado como performance, tanto (ou mais?) do que a da Marina, claro, considerando esta condição. Especialmente se por performance, a considerarmos como um tipo de manifestação artística, caracterizada pelo ato, pelo corpo e pela vivência: “Atos não se repetem. Performance é viva somente no presente. Não pode ser conservada, gravada, documentada, do contrário, isso será outra coisa. (…) Performance implica o real, através da presença física do corpo.” (Peggy Phelan apud MELIM, 2008)

O game também explora limites entre as dimensões de ficção e realidade nos jogos: seus gráficos pixelados utilizam-se de um recurso cada vez mais recorrente em indie games, de propor a experiência estética de jogos das primeiras gerações de videogames para indicar um distanciamento e estimular a reflexão.

Captura de tela do jogo de Pippin Barr, "The Artist is Present".

São diversas as questões possíveis: Este game permite experimentar a performance de Marina? Jogar o próprio game de Barr pode ser considerado uma performance? O game de Barr muda o sentido da performance de Abramović? O game é arte ou trata sobre arte? A performance de Marina é um jogo? “The Artist Is Present” questiona o discurso da arte ou já está no processo de institucionalização de games como obras artísticas? Seu potencial provocador encontra-se justamente por atravessar fronteiras de diversas questões como estas.

 

BARR, Pippin (org.). How to Play a Video game. New Zealand: Awa Press, 2012.

DUNNE, Anthony. Hertzian Tales: Electronic Products, Aesthetic Experience, and Critical Design. London: MIT Press, 2005.

DUNNE, Anthony; RABY, Fionna. Design Noir: The Secret Life of Electronic Objects. Basel, Boston, Berlin: Birkhäuser, 2001. [trecho do livro]

FLANAGAN, Mary. Critical Play. Cambridge, MA: The MIT Press, 2009.

FLANAGAN, Mary. Creating Critical Play. In. Artists Re:Thinking Games. Eds Ruth Catlow, Marc Garrett, and Corrado Morgana. Liverpool: Liverpool University Press, 2010, p.49-53. [artigo completo]

MELIN, Regina. Performance nas artes visuais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.