Resenha crítica de Black Mirror Bandersnatch

Em qual dimensão a Literatura Multilinear é Pop?

Em 2040, quando a cultura pop tiver como base a nostalgia dos anos 10 do início do século XXI, máquinas irão nos alertar para a significativa fixação daquela época em produções audiovisuais sobre exploração multidimensional. Talvez isso se explique por um Zeitgeist do Norte-Global, uma reação ao realismo capitalista, ou apenas se perceba que produções como Interstellar, Rick and Morty, Aranhaverso e Stranger Things recorreram à ideia de dimensões paralelas… tal como Bandersnatch.

O episódio interativo de Black Mirror conta o caso de um programador que adapta um livro-jogo para um video-jogo, e, durante o desenvolvimento do projeto, pira nas piras sobre múltiplas dimensões, em um conflito entre liberdade e determinação.

A estória começa com uma decisão simples para introduzir quem está assistindo à possibilidade de interação, e segue intensificando, utilizando vários elementos de literatura multilinear. Possui ilusão da escolha (você se sente escolhendo, mas não se trata de uma escolha), “coerção” (quando espera-se haverem no mínimo duas opções, mas há apenas uma), escolhas de baixa intensidade (que levam a cenas diferentes, mas não interferem na linearidade da estória), de alta intensidade (escolhas que mudam drasticamente o curso da estória), dilemas (do sentido dicionarizado de “duas saídas contraditórias e igualmente insatisfatórias.”) e escolhas significativas (pois exigem considerar valores éticos e morais do interagente), por exemplo.

Estava curioso em saber como seria a mecânica de interação no sistema da Netflix, e achei bem versátil. Tem tempo para decisão, a escolha aparece enquanto o vídeo continua na tela, e as opções não são apenas em texto, mas também por ícones, o que é bem criativo. Para mim, a sequência narrativa mais interessante é a que propõe transição entre “você é o personagem” (Stefan) escolhendo e “você escolhe o que o personagem vai fazer”, que segue para “você é você mesmo”, escolhendo como você e interagindo com o personagem. A brincadeira de quebra de quarta parede se encaixa bem na narrativa, e é bem executada.

A metalinguagem é utilizada a exaustão, por vezes fazendo o episódio ser mais curioso como um tributo ao conceito de multiverso do que como pela estória do programador perturbado. Ambientado em 1984, parece que os produtores de Black Mirror vem gostando mais de criar episódios no passado, do que no futuro (ou no presente). Aliás, se considerarmos os motivos que levaram a série a ser cultuada em suas primeiras temporadas, Planolândia é mais Black Mirror que Bandersnatch.

O final de Bandersnatch me incomodou (só vi um final, mas particularmente defendo que estórias com vários finais devem ter todos os finais igualmente interessantes), sendo muito breve e simples. Talvez quisessem me “convidar” a explorar outros finais, o que não me fez muito sentido, já que durante a narrativa já fui “convidado” a retomar a outros ponto e escolher de modo diferente. Apesar de eu ter gostado dessa mecânica de voltar e refazer decisões (odiaria ter que assistir TUDO novamente, só porque morri por acaso em uma das escolhas), fica como se houvessem dois tipos de “final”: os que não são tão final assim (você “morreu”, e ganha a chance de voltar, aproveitando a analogia de refazer sua estória) e os finais “que é final mesmo” (que leva ao encerramento do episódio, fim das escolhas). Creio que essa confusão gerou algumas expectativas de interação, que não funcionaram bem para experiência da multilinearidade, como loops de escolhas ou a sensação de que existem finais “certos” e “errados” (outra ideia que não gosto muito em estórias interativas).

Enfim, esta é uma estória interativa lançada em boa hora. Temos acompanhado o Youtube progressivamente restringir suas opções de interação e vimos recentemente a falência da mais conhecida empresa de narrativas interativas, a Telltale (a qual, aliás, especulava-se que iria produzir um episódio interativo de Black Mirror…). É bacana imaginar que se trata de uma lançamento que dá fôlego ao formato, introduzindo-o junto a uma marca conhecida, apresentando a ideia para novas pessoas.

O episódio não traz nada de novo ao usar interação e escolhas em um vídeo, mas oferece novidade ao apresentar o vídeo com interação na TV de modo simples e fácil — ali, no Netflix. Ainda que reality Shows como o BBB já sejam tão (ou mais) interativos quanto, a experiência é diferente. Como a própria estória do episódio sugere, é como um jogo. Mas não é idêntico a um jogo. Sim, jogos são interativos e multilineares, mas ainda persiste certa diferença entre o jogo que usa lógicas cinematográficas (como o FMV) e um filme que usa lógicas de jogo. São tradições, expectativas e indústrias distintas. Mesmo que seja para escolher entre linearidades pré-dispostas, o fetiche da interação produz um efeito particular, e ainda estamos experimentando modos de expressar suas formas literárias.

Bandersnatch ajuda a jogar esse debate no mainstream, e faz um monte de gente pensar que a vida não é determinada, mas multilinear. Quem sabe, daqui a algumas décadas, explorar o multiverso possa ser tão fácil quanto ligar a TV… ou que o streaming, interação, hipertexto digital tenha se tornado tão linear que a multilinearidade continua como uma aventura experimental que um dia pode dar certo, e nossa participação seja como torcer para que a Netflix inclua mais opções em seu catálogo. Escreva sua alternativa nos comentários, deixe um Like, compartilhe, assine, siga e inscreva-se, clique no sininho para saber das atualizações em seu feed.

 

Referências e links: