Resenha de “Consumidores e Cidadãos” de Néstor Canclini

Escrevi esta resenha para a disciplina de Design e Cultura que faço como aluno especial no Mestrado em Tecnologia e Sociedade do PPGTE da UTFPR.

A cidadania a partir do consumo

O livro Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização (Ed. UFRJ, 2010) é composto de dez ensaios que discutem relações entre consumo e cidadania a partir da análise cultural perante os processos de globalização. Consumidores e Cidadãos se apresenta como uma investigação sobre como as mudanças da maneira de consumir alteram o exercício da cidadania, percebendo que muitas das perguntas dos cidadãos são respondidas mais pelo consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa do que pelas regras abstratas da democracia ou da participação coletiva em espaços públicos.

Seu autor, o antropólogo García Canclini, atua como professor e investigador da Universidade Nacional Autônoma do México, onde dirige o Programa de Estudos sobre Cultura. Pioneiro em estudos sobre o hibridismo das culturas latino-americanas, realiza em suas obras o reposicionamento de conceitos importantes para a compreensão das relações interculturais contemporâneas.

No prefácio elaborado para a edição inglesa de Consumidores e Cidadãos, “O Diálogo Norte-Sul nos estudos culturais” o autor mostra a importância de compreender a globalização como um processo de reordenamento de diferenças e igualdades e não como uma simples homogeneização de culturas em escala global. De uma maneira geral, o antropólogo entende o processo de globalização como a passagem das identidades modernas, territoriais e quase sempre monolinguísticas, para identidades transnacionais e multilinguisticas, que podem chamadas de pós-modernas. Por isso, a globalização é um processo de fracionamento articulado do mundo e de recomposição de suas partes, onde as diferenças nacionais persistem e são convertidas em desigualdades.

Assim, Néstor Canclini ponta para a importância das práticas de consumo para os aspectos comunicacionais do direito à cidadania, demonstrando como o consumo não é um ato “irracional”, um gasto desnecessário e inútel, mas um espaço onde se organiza parte da racionalidade econômica, política e psicológica social. Quando selecionamos os bens e nos apropriamos deles definimos o que consideramos publicamente valioso, assim como nos integramos e nos distinguimos na sociedade. Assim, os meios eletrônicos irrompem as massas populares na esfera pública e deslocaram o desempenho da cidadania em direção às práticas de consumo.

O capítulo de introdução do livro recebe o nome propício de “Consumidores do século XXI, cidadãos do século XVIII” pois ao passo em que as sociedades se organizam para, como consumidores, nos colocar no século 21 – onde a distribuição global de bens e informação aproxima o consumo de países centrais e periféricos, e, como cidadãos, nos levar de volta ao século 18 – onde as decisões estão todas concentradas em elites e é formado um regime de exclusão da maioria incorporada como “clientes”.

Também discutida a frágil fronteira entre o que é próprio e o que é alheio: mesmo após a formação das nações modernas nos século XIX e XX, que permitiu transcender as visões aldeanas de camponeses e indígenas, a ideia de cultura nacional pareceu interessante de ser preservada: o valor simbólico de consumir “o nosso” era sustentado por uma racionalidade econômica: comer como brasileiro significava alimentar-se com produtos produzidos pela pela própria sociedade, geralmente mais baratos e acessíveis além de serem uma estratégia para se guardar tradições específicas, enquanto o consumo de produtos estrangeiros se posicionava como um recurso de prestígio ou uma opção de qualidade, uma possibilidade de conseguir o que os países periféricos não possuíam. Antes, este esquema pode ser entendido sob o olhar da internacionalização: o que não se tem, pode-se procurar noutro lugar. Mas, no atual contexto de globalização, como entender o que é próprio quando o que se produz no mundo todo está aqui?

A ideia de sociedade civil é analisada como uma maneira de legitimar manifestações heterogêneas de grupos, organismos não governamentais, empresas privadas e até de indivíduos. O autor reconhece, assim, o deslocamento de cenários onde se exercia a cidadania – da ideia de povo para a de sociedade civil.

Neste sentido um apontamento interessante é  de que a América Latina foi “inventada” pela Europa, num processo de conquista e colonização iniciado pela Espanha e Portugal, mas o que acontece nos dias de hoje é que nosso vínculo é mais com os Estados Unidos. E, muitas vezes, essa transferência de vínculo da Europa para os Estados Unidos é vista como uma passagem de um exercício sociopolítico para uma submissão socioeconômica. Através de nossa relação com a Europa aprendemos a ser cidadãos. Por nossos vínculos com os Estados Unidos aprendemos a ser consumidores.

2 comentários

  1. Considero as resenhas excelentes alternativas para os que dispõem de tempo limitado para estudar. Não obviamente como uma substituição da leitura da obra, mas como uma forma de entender a ideia central antes de fazer uma leitura completa e nesse quesito seu texto está excelente, muito claro e coerente, não pude deixar de parabenizá-lo. Abraços.

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