“O Telefone Celular”, texto de Rubem Alves

Um dedo de prosa e um lote de dados sobre celulares.

Segundo a Teleco (Inteligência em Telecomunicações) em janeiro de 2011 o Brasil possuía 205,2 milhões de celulares (82,32% são pré-pagos). Foram 28,98 milhões de habilitações de celulares só em 2010. Dezesseis estados brasileiros já possuem mais de um celular por habitante. O Distrito Federal é o campeão, com 177,31 linhas para cada cem habitantes. Quantos celulares você tem?

Temos sinal para aparelhos móveis em 80% do planeta. O número de smartphones em uso no mundo deve chegar a 2 bilhões em 2015, sendo que já operam 500 milhões deles. Você conhece alguém que não tem celular?

O texto que segue é um questionamento interessante sobre o impacto deste artefato que – imaginem! – é visto até como necessidade.

O telefone celular, de Rubem Alves

Minha avó tinha telefone não por razões práticas mas, como sugeriram Veblen e Freud, por razões simbólicas. Para esnobar riqueza. Quem tinha telefone era rico.

Telefonema era coisa grave. As casas não tinham telefone. Havia um “posto telefônico”. A chamada chegava no posto, que enviava um mensageiro à casa da pessoa chamada. Chegava o mensageiro, todo mundo estremecia. Tinha de ser coisa muito grave. Quem será que morreu? – se perguntava. Acho que é essa gravidade ancestral de uma chamada telefônica que explica o fato de que quando o telefone toca todo mundo corre. Interrompe-se tudo. Não conheço ninguém que, tocando o telefone, deixe o telefone tocar. Preciso resolver um assunto num escritório. Paro minhas coisas para ir lá. No balcão, ou numa mesa, converso com o funcionário. No meio da conversa, toca o telefone. Quem telefonou não foi lá, como eu, ficou em casa, não quis perder tempo. Pois quem estava me atendendo, sistematicamente, interrompe nossa conversa, me deixa esperando, e fica atendendo aquele que não foi. Por que? Porque se pressupõe que o telefonema é sempre mais importante. Telefonema é coisa grave.

Nos aeroportos fico contemplando o espetáculo, todo mundo falando no celular. Penso: Quantas coisas importantes estão acontecendo, inadiáveis! Ah! Como se sentem felizes as pessoas quando seu telefone celular toca. O toque de um celular anuncia para todos o quão importante ela é.

Nos aeroportos fico contemplando o espetáculo, todo mundo falando no celular. Penso: Quantas coisas importantes estão acontecendo, inadiáveis! Ah! Como se sentem felizes as pessoas quando seu telefone celular toca. O toque de um celular anuncia para todos o quão importante ela é. Eu, com frequência, faço palestras. E já é norma esperada que, no meio da minha fala, um telefone celular toque. A princípio eu ficava indignado mas não dizia nada. Mudei de idéia quando, certa vez, o telefone de um cavalheiro que se assentava na primeira fila tocou e ele, ao invés de desligar o telefone, conversou tranquilamente com a pessoa do outro lado da linha (??). E ali fiquei eu perplexo, com cara de bobo, falando, enquanto o tal cavalheiro, do centro de sua bolha narcísica, anunciava para as 600 pessoas o quão importante ele era. A pessoa que faz isso tem uma visão grandiosa e poderosa de si mesma. Ela se imagina encontrar no centro de coisas gravíssimas que exigem sua ação imediata. Caso contrário, se ela não atender o telefone e não agir, é possível que o mundo caia em pedaços. De alguma forma, é como se fôssemos um dos super-heróis, Batman ou Super-homem, de cuja ação imediata depende a normalidade do mundo. Agora quando o celular toca eu faço gozação. Faço interpretação psicanalítica. O telefone celular que toca é um falus que se exibe.

Acho um telefone celular uma coisa útil. É possível que, no futuro, eu compre um dos pequenos (pequeno mas potente!), que eu possa carregar na pochete. No coldre, jamais! Morreria de vergonha! Mas fico assombrado com a forma como as pessoas abrem mão da sua privacidade. Talvez porque a sua privacidade seja vazia, não tenha nada lá dentro. Sendo vazia, elas se sentem diluir no nada. Penso, assim, que o telefone celular é um artifício que se usa para lidar com a solidão.