Fun Theory (sem a parte divertida)

Nos casos do Fun Theory que rolam pela internet, temos a apresentação de coisas bacanas (jogar lixo no lixo, por exemplo) mas, em geral, mais do que serem uma solução, seu encantamento está em funcionarem como prova de que dá para fazer as pessoas mudarem um hábito, oferecendo algo em troca.

Porém, se a diversão por si só pode direcionar comportamentos tão facilmente, isso deveria ser até preocupante. Se nos vídeos da Volkswagen são apresentadas situações positivas para mudar o comportamento para algo socialmente “amigável”, a diversão pode servir igualmente para direcionar pessoas a fazerem coisas não-tão-legais assim.

Fun can change behaviour for the better?

A experiência da diversão é marcante, gostosa de se sentir. Quem não gosta? Por isso, criticar uma teoria que advoga pela diversão pode me colocar como um grande chato… mas a ideia não é evitar ela, é pensar sobre ela: será a diversão, em si, uma saída “do bem”?

A empolgação que a Fun Theory traz aos designer parece estar na esperança destes em conseguir (finalmente!) uma ferramenta para induzir comportamentos com maior efeito.

Mas a diversão também pode mascarar ideologias e explicitar outras, como a onipresença do espetáculo na sociedade. O comercial engraçado te oferece um par de risadas em troca de um espacinho em sua memória. A piada nacional que desvia a atenção da corrupção política. A empresa irresponsável que tem um grande smile em sua marca.

Tirinha dos Malvados

O escritor Tehodor Mundt, em 1844, alegava que o humor era uma importante força a ser considerada e que a “graça” poderia incitar a rebelião ou acalmar espíritos indisciplinados.

“Durante a primeira metade do século [XIX], o humor popular saiu das ruas e entrou nas salas de estar (…) alguns, incluindo radicais e conservadores, acreditavam que o humor estimulava os cidadãos a dissipar a raiva e frustração que, de outro modo, poderiam ser dirigidas contra a ordem estabelecida.

Menos otimista, o literato comunista Ernst Dronke acreditava que o humor político era um benefício para o Estado: “Se o berlinense risse de algo, ‘aquilo deixava de existir’ para ele. Ele o ignora com equanimidade.“.

A Fun Theory pode ser encaixada também como mais um passo no desejo pós-moderno de que todas as grandes revoluções sejam pessoais, distribuídas com conta-gotas em nosso cotidiano. Diversão a todo momento. E sabe quando se tenta ser divertido a toda hora, até ficar deprimente?

“Guerra é paz, liberdade é…”

A maior força da Fun Theory é tentar provar que podemos fazer as pessoas escolherem aquilo que não escolheriam, se não houvesse a intervenção de algo divertido.

Então, nesta lógica, se uma guerra for divertida aumenta-se o engajamento por ela? Se as armas forem engraçadinhas, mais pessoas vão usar? O bullying pode ser bem legal para aqueles que o fazem. Os gladiadores morriam para entreter. A violência (física ou simbólica) como medicação anti-tédio é explícita na distopia do Laranja Mecânica.

Consumidora satisfeita? Mais uma consumidora satisfeita

Divertido para quem?

Agora, se eu conto para você uma piada racista, você irá rir somente pelo seu “efeito estético”? Perde o amigo, não a piada. O humor em piadas de racismo é divertidíssimo, mas só para quem não é o objeto (do humor). Da mesma maneira, o bullying é diversão para quem não está sendo agredido.

Este tipo de piadas induz comportamentos? Diversão desse tipo educa, é sinal de uma ideologia ou não passa de inocência? Se depende do receptor ver ou não o preconceito no humor? Sim. Mas depende só dele?

No fun, my babe…

De fato, a Fun Theory lança um importante olhar sobre as coisas de nosso cotidiano. A diversão e, especialmente, a curiosidade parecem tocar em pontos emocionais fortes, que atingem intimamente as sensações.

Mas jogar o lixo o no lixo não deveria ser um comportamento que exige um esforço de persuasão, de tanta criatividade assim, não é? Não parece que, no fundo, tem algo estranho com tudo isso? Que tal usar esse caixa eletrônico bem animado, em um dia de corrido:

Caixa eletrônico Pinball Porque ir ao banco tem que ser tão chato sempre? Projeto crítico de Douglas Schmidt: para sacar seu dinheiro, ganhe o jogo.

É mesmo necessário fazer as pessoas subirem pela escada em vez de irem pela escada rolante? Podemos desativar a escada rolante e teríamos o design direcionando o comportamento.

Cá entre nós, qual o papel do designer, nisso tudo? Teriam os designers o mesmo papel idealizado do jornalista, de comunicar os fatos?

[Estava matutando este post a algum tempo, mas me animei a escrevê-lo após o Paulo Melo ter perguntado sobre analises mais críticas do Fun Theory, na lista de discussão Desinterac]

3 comentários

  1. Douglas Schmidt

    A diversão pode ser só mais um meio de manipulação entre tantos outros. Eventualmente seremos manipulados, a comprar, a não reclamar, a votar, a se afundar em empréstimos.

    Quão perigoso pode ser se um banco aprender a divertir seus clientes enquanto eles abrem suas linhas de crédito?

  2. Victor Nassar

    Você é livre até onde começa a liberdade do outro. E devemos olhar assim pras outras coisas. Só há diversão completa se todos participarem dela.

    É fato que outros milhares de afazeres devem primeiro atender à praticidade, à saúde, à segurança… Não sejamos radicais. Até porque a própria diversão é mutável, já diziam as sábias mães que brincadeira tem momento.

    Pra fazer o mal, qualquer motivação vira combustível. Se há gente que mata por “amor”, que dirá por “diversão”. Ofereça diversão, dinheiro, alimento, bem-estar. Qualquer bem-estar aparente vira ópio. E a manipulação pode começar facilmente com a distorção dos fatos. Se não consegue convencer, tente confundir.

    Pontos de vista, meu caro. Olhando assim, até Jesus era um cara mau, vendo pelo lado do Império Romano.

    Abs!

  3. Precisamos ser mais civilizados e éticos neste mundo. Gosto muito do seu blog e sempre que posso leio os posts! Parabéns…..continue o ótimo trabalho.